terça-feira, 21 de abril de 2020

O tempo...

Hoje escrevo a pensar em vocês. Mais ainda. A pensar no regresso - seja lá ele quando for - e a desenhar os nossos dias. Serão sem pressas, a apoiar-vos no regresso à vossa rotina diária (por falar em rotinas... esperam-se (re)adaptações, no mínimo, desafiantes!). Esse será o objetivo principal. Acredito que ainda teremos o nosso tempo para nos ir-mos "despedindo". Sinto que nos roubaram umas valentes semanas nesta nossa contagem decrescente... mal sabem o quanto somos capazes de recuperar o tempo "perdido". O tempo que teremos até começarem a traçar a vossa caminhada no pré-escolar.
O tempo que aí vem será inteiramente vosso e para vocês. Passar o dia inteiro envolvida nas vossas brincadeiras, nas vossas explorações. A observar as vossas interações. A mediar conflitos. Chegar ao final do dia com a roupa mais suja do que o habitual. Viver as vossas descobertas e festejar as vossas conquistas. Dar e receber abraços e sorrisos. Responder às 1500 vezes que chamarem pelo meu nome, por tudo e por nada. De rir convosco. Não é que já não fizéssemos tudo isto antes, mas agora, mais do que nunca, será vivido com mais intensidade. Prometo que não vou ficar stressada: por andarmos a acumular imensas tarefas; por o parapeito da sala estar numa confusão, cheio de trapel; porque tenho de atender 5 vezes o telefone da creche enquanto vos leio uma história; ou por sermos interrompidos a meio de uma partilha na reunião da manhã, de duas, de três...; porque... Nada! O tempo que teremos é para desfrutar da vida do e em grupo! Se há coisa que este vírus nos ensinou é que aquilo que temos hoje, amanhã podemos não ter. Deixámos um registo por fazer, um mapa por completar, a horta por regar (valha-nos esta chuva!)...porque combinámos "acabar amanhã", mas o "amanhã" não chegou! Sem sabermos quando chegará.
É com pessoas que trabalhamos. Criamos laços e estabelecemos relações. Fortes. De amizade. A maior parte das vezes, passamos mais tempo juntos do que com as nossas famílias.  É inevitável não sentir saudades. E ficar de coração cheio de cada vez que recebemos notícias. Vale-nos a generosidade das famílias que nos acalmam as saudades com fotos e vídeos. 
Hoje escrevo a pensar em vocês. Em tudo aquilo de bom trazem à minha vida. Nunca o "faz o que gostas e não terás de trabalhar um único dia na tua vida" fez tanto sentido. Hoje escrevo a pensar em vocês e a contar os dias para que estejamos todos juntos outra vez. 

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Manter relação à distância, como?

Como educadora tenho encontrado algumas dificuldades em organizar a minha prática profissional à distância. Se tivesse que me caracterizar enquanto educadora, entre muitas outras coisas, diria que vivo muito das relações pessoais que estabeleço com cada criança do grupo e com as famílias, mas essencialmente com as crianças. Os vínculos afetivos criados pedem muito o contacto físico, ainda para mais tendo em conta a sua idade.
Privada desse contacto e estando a trabalhar em casa à distância, panorama que nunca considerei acontecer, tive de reorganizar e reinventar a minha prática. Passados 18 dias de isolamento social, ainda me sinto a dar passos no escuro. Tudo é novo nesta forma de educar à distância. O  primeiro pensamento foi, obviamente, criar uma forma de diminuir a distância que nos é imposta e criar um meio de comunicação com o grupo. O e-mail institucional já era utilizado para comunicar com as famílias e, mais do que nunca, tem sido uma ferramenta essencial. As famílias têm partilhado registos do dia-a-dia das crianças em casa, assim como partilham anseios, dúvidas e dificuldades que têm encontrado na dinâmica familiar.
Mas senti que era insuficiente...faltava um meio de comunicação em que as crianças (com o apoio das famílias) pudessem reagir! Em que de alguma forma elas interagissem umas com as outras e, claro, a equipa de sala com elas, também. Foi, então, que descobri o Zoom e estou rendida! Tem sido uma ferramenta muito útil para realizarmos videochamadas de grupo, onde não só acontecem interações entre crianças e equipa, como também são feitas partilhas entre famílias, sobre como se têm reorganizado, as dificuldades que têm encontrado e as estratégias que têm utilizado. O feedback é muito positivo. Muitas das dificuldades encontradas são comuns entre as famílias e a partilha de estratégias tem-se revelado muito rica e útil. Por vezes, também realizo reuniões individuais com as famílias, sempre que estas sentem necessidade para partilhar questões ou dúvidas que as estão a angustiar de certo modo.
Depois comecei a pensar como poderia fazer chegar a todas as crianças as partilhas das fotografias que as famílias me enviam. Após conversa com uma colega, surgiu a ideia de fazer um caderno digital de grupo, tal como o caderno de vida individual (género de caderno vai e vem) que as crianças têm na creche. No final de cada semana reúno as partilhas fotográficas e compilo num documento que é enviado para todas as famílias. Assim todos recebem notícias dos amigos e, até, ideias para atividades a fazer em família.
Acredito que neste tempo de contingência o mais importante não é sofocar as famílias com atividades sem significado para as crianças. Em sala, as atividades surgem dos seus interesses e necessidades. Não seria agora que isso mudaria. Por outro lado, não nos podemos esquecer das diferentes dinâmicas entre famílias. Há pais em teletrabalho e o pouco tempo que têm, podem (e devem) aproveitá-lo para estar em família. Agora existe tempo para estar em família!
Importa, mais do que nunca, ter capacidade de escutar e observar para conseguirmos apoiar ao máximo as famílias. Tenho tentado enviar um email todos os dias, mas diversificando o conteúdo e as propostas. Foco-me no que conheço do grupo e no que vão partilhando quer de interesse, quer de necessidades. Num dia uma receita, porque tem sido uma tendência nas fotografias partilhadas atividades de culinária; noutro dia sugerir a criação de jogos com materiais de desperdício, por saber que é um interesse do grupo; envio de video histórias que faço com os livros que mais gostamos na nossa sala, sugestões de "atividades" que encontro em páginas de companhias de teatro, entre outras.
Se chega para encurtar a distância? Não! Se consigo manter o entusiasmo e gosto por trabalhar assim? Também não, mas digo para mim que neste momento é a única e melhor forma que tenho de o fazer! Se tenho saudades de ouvir chamar o meu nome mil vezes ao dia? Imensas!!! Conto os dias para que volte tudo ao normal e entrem por aquela sala dentro e as oiça.
Espero encontrar-vos em breve e bem 💓


Sentir o calor do grupo!

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Ser educador de infância em plena pandemia Covid-19

De repente vimos o palco da nossa prática profissional fechado, vazio de crianças. Vazio daqueles para quem trabalhamos, para quem damos o nosso melhor todos os dias. Aqueles que diariamente nos desafiam a ser melhores profissionais (e pessoas), nos levam a repensar práticas e a refletir estratégias.
Tal como os docentes do ensino básico e secundário, também nós, educadores de infância, tentamos adaptar o nosso modo de trabalho ainda que de forma diferente. Nós não conseguimos projetar o nosso trabalho em "aulas online" ou em enviar fichas para TPC. Primeiro, porque nós não damos aulas e também (espero eu) não damos fichas às crianças! Nós precisamos do contacto, da presença do grupo. Esta pandemia vem obrigar-nos a reiventarmo-nos enquanto profissionais, a procurar novas e variadas estratégias.
Tentamos, assim, estar, uma vez mais, com e ao lado das famílias, procurando apoiá-las nesta nova fase de vida para todos que se mostra ser desafiante! Recorremos às video conferências de grupo, a histórias em formato de vídeo, à criação de ficheiros com propostas de atividades/explorações tendo por base o conhecimento dos interesses e necessidades do grupo. Acima de tudo, procuramos diminuir esta distância que agora temos, porque acima de tudo a nossa profissão faz-se de laços de afeto, de relações pessoais, de amor.
Assim, surge este blogue. Um projeto que já há muito tempo tinha dentro da gaveta e que agora, no meio desta pausa obrigatória, encontrou espaço e tempo para nascer.

Sala vazia. Vazia de risos, gritos, brinquedos no chão, correrias, choro...Vazia de vida!